Disco

Pequenino (1976)

Crítica de álbum

Por Paquito* Pequenino se destaca pelo título, tirado de De menor, um dos sambas mais humildes da história. É a poética da pequenez elevada ao paroxismo. Nunca um sambista tinha se retratado tão cruamente mínimo: “Sou o menor dos pequeninos…

Por Paquito*

Pequenino se destaca pelo título, tirado de De menor, um dos sambas mais humildes da história. É a poética da pequenez elevada ao paroxismo. Nunca um sambista tinha se retratado tão cruamente mínimo: “Sou o menor dos pequeninos / o mais pobre dos plebeus / O alheio inquilino / o mais baixo pigmeu / O comum do singular / o último dos derradeiros”. Para finalizar, dialeticamente, com “Eu sou a felicidade”. A capa expõe Ederaldo de peito nu, com apenas as guias a vestir seu corpo, como se dissesse: “sou negro e tenho orgulho de minha cultura e da minha cor”. É um disco conceitual e sonoramente ligado à religiosidade afro-baiana, com arranjos mais elaborados que o primeiro: João de Aquino, no violão, Altamiro Carrilho, na flauta, e Marçal, como ritmista, são destaques.

O LP abre com, significativamente, seu último samba enredo, de 1973, homenagem ao cinquentenário de Mãe Menininha do Gantois, In-lê in-lá, com Anísio Félix. A seguir, num clima rítmico afro-religioso, O Rei, feita com Paulinho Diniz, reza insólita com versos como “a força me chega pra me acovardar”. Como em De menor, Ederaldo vai ao degrau mais baixo pra subir e alcançar cimos estéticos.

Bereketê, anteriormente gravada por Jair Rodrigues, tem um refrão dado a Ederaldo pela sua mãe, mãe maior do Terreiro de Neve Branca, e é um pedido de misericórdia a Obalu-Aiê, que cura as chagas, segundo depoimento do próprio Ederaldo a Guido Guerra. No MPB Especial, de 1973, dirigido por Fernando Faro, é bem tocante quando Batatinha, Riachão e Vicente Barreto fazem o coro desta música com Ederaldo, identificados pela ancestralidade negra. Aliás, este programa é o melhor, senão único, documento com imagens e sons de Ederaldo, com seus olhares e silêncios significativos.

A gravação de O samba e Você, parceria com Nelson Rufino e Memeu, apenas com Waldir no violão de 7 cordas e uma cuíca não creditada na ficha técnica, além do próprio Ederaldo no canto, tem um resultado bonito, que hoje se chamaria de intimista, fechando o primeiro lado do disco.

Dois de fevereiro, que abre o lado B do LP, é o primeiro samba-enredo de Ederaldo, cantado em 1967 pela Filhos do Tororó. Parecem várias músicas em uma só, com refrões de candomblé, cantos profanos, bem combinados no domínio que Ederaldo tem da linguagem do samba-enredo, dando uma ideia, pela profusão de “coisas” acontecendo, do clima da festa de Iemanjá no bairro do Rio Vermelho, em Salvador.

Ainda no clima da festa de Iemanjá, Vento forte traz um refrão afro-religioso: “Iemanjá, solta meu erê Iemanjá(…)” e dialoga com O Vento, clássico de Dorival Caymmi. Enquanto o vento de Caymmi, telúrico, leva o barco que leva a gente que leva o peixe que dá dinheiro, Ederaldo filosofa sobre as ambigüidades do vento, mas não perde o sentido ritual do canto e da música: “O vento que balanças as palmas é o mesmo que faz o trovão / Espalha a chuva e traz o sereno acalma a brisa e faz a canção / Vento que faz tempestade traz calmaria pro meu coração”.

Compadre traz as considerações filosóficas pro terreno das relações amorosas: “tristeza é irmã gêmea da alegria (…) /  assim como a lua vem quarto crescent,  vem nova, vem cheia ,vem quarto minguante(…) / e o amor não é uma exceção”.

Peleja do Bem, do sobrinho Antonio Carlos Tatau e de Thea Lucia, continua nesse sentido ritual/filosófico do LP, e Rio das Minhas Ilusões, com o violão de João de Aquino à frente na gravação, trata do fascínio pelo Rio de Janeiro – onde Ederaldo morou por alguns anos – numa perspectiva íntima e apaixonada: “Rio, as suas águas incontidas levaram minhas águas de chorar”.

Pra finalizar o disco, um jingle em parceria com Batatinha, A Bahia Vai Bem, feita para o Governo do Estado da Bahia, de um dos mandatos de Antônio Carlos Magalhães, que demonstra bem a relação que este político tinha com os artistas da terra. Esta música tocou bastante no âmbito institucional. O refrão forte não esconde o tom ufano-propagandista, mas o samba é eficiente e uma demonstração das habilidades de Ederaldo e Batatinha em fazer uma música de alcance rápido.

*Paquito é músico, produtor e pesquisador.


In-Lê-In-lá, lá lá, ê, In-Lê-In-lá, Oilá
In-Lê-In-lá, lá lá, ê, In-Lê-In-lá

Os candomblés estão batendo / foguetes explodem no ar
Em louvor à Menininha / senhora, mãe e rainha do Gantois
Pelo seu aniversário / de cinqüentenário de Ialorixá
Ôôô, Ôôôôôôô / salve Mamãe Oxum / salve meu Pai Xangô

Cinquentenário de batalha / cinquentenário de fé
Desde quando recebeu / os poderes de Maria dos Prazeres Nazaré
Sua vidência se alastrou / iaô iaô iaô

Sacerdotisa de uma raça / rainha de uma nação
Na luta em defesa dos descrentes / ela sempre estendeu suas mãos
Hoje os candomblés estão batendo / ao seu nome venerar
Iyami Modijubá / salve o seu axé, seu candomblé, no Alto do Gantois

In-Lê-In-lá, lá lá, ê, In-Lê-In-lá, Oilá
In-Lê-In-lá, lá lá, ê, In-Lê-In-lá, Oilá


Vou me embora / que o rei mandou me chamar

Vou pelas nuvens voando / vou pelas ondas do mar
Vou pelas pedras andando / antes do tempo mudar, eu vou

No palco da vida não entram os humildes / acende-se a lua pro sol apagar
O vento me leva, o caminho divide / a força me chega pra me acovardar
De carruagem vou passear / ao som das harpas, as valsas eu vou bailar
E a vida do meu sonho encontrarei / no reino encantado, pois sou amigo do rei


Sou o menor dos pequeninos / o mais pobre dos plebeus
O alheio inquilino / o mais baixo pigmeu
O comum do singular / o último dos derradeiros
Viandante e pelegrino / o mais manso dos cordeiros

Eu sou maior / em lampejos de brandura
Da angélica candura / dos mistérios do amor
Sou bem maior / que os pinheirais de humildade
Pelos campos da bondade / eu sou a felicidade


Minha madrugada / diga à alvorada / que ela ainda não voltou
E também diga ao sereno / que você me viu cantando
Quando o dia clareou

Depois de tantos desenganos / eu resolvi modificar
E consegui mudar meus planos / mandando a tristeza se mandar
Comprei até uma viola / pra fazer um samba todo meu

Cheio de sorrisos e alegria / e tranquilo como a brisa
Da manhã de um novo dia


Bereketê, Bereketê, uá / sienalô virgem iná / Bereketê babá

Meu coração ferido / sofrendo coitado / no mundo perdido
Quando o amor é forte faz sofrer / a solidão faz questão de me matar
O meu coração está ferido, está doente / e eu descrente, na esperança de sarar, Bereketê

Já fiz as flores, meu velho / as velas vou acender
Já comprei as rosas brancas / pra mais tarde agradecer
Pra que a chama vire cinzas / e a chaga cicatriz
Muito tenho pra fazer / eu preciso ser feliz


Compreendi afinal / que não posso ir de encontro aos meus sentimentos
Pois entendi que ninguém / pode modificar seu modo de ser
É que eu nasci com o samba / no corpo e no sangue
E sendo assim / sem o samba eu não posso viver

Ah, se você entendesse / que você faz parte dos sambas que eu faço
Pois em você eu achei / minha inspiração
Como só ter a você / tendo o samba nos braços
Como eu viver só de samba / se eu tenho você

Ah, se você entendesse / que o nosso problema é fácil de ser solucionado
Toda a certeza eu teria / de felicidade, meu samba sorria
Arranjaria um destaque / para ao meu lado você desfilar
E faria um samba de enredo / só para você cantar


Oh, Bahia / berço da tradição
As suas graças canto em versos / Na minha canção

Dois de fevereiro, festa de Iemanjá / Janaína, Mãe das Águas, a Rainha do Mar
Ô, ô, ô / no bater dos atabaques, repicar dos agogôs
Toda uma raça com fé / vai entoando o refrão de um candomblé

Ataberecê é de yê Iemanjá / Ataberecê aiôbô oromiurixaurelê

Que maravilha / cantos, danças, rituais
Melodias folclóricas / capoeira, seus berimbaus

Dá, dá, dá no nego / No nego você não dá
Dá, dá, dá no nego / No nego você não dá

Filhos de fé e Yaôs / recebem os seus orixás
Os saveiristas, ô / macumba tem muamba / os pescadores

Uma de roda de samba a cantar / Lá iá lá iá láiá láiá láiá
A baiana deu o sinal, leleô baiana / A baiana deu o sinal, leleô baiana

Sobre os clarões das velas / ao traçar de uma cruz
A fé / de um crente que vive ao léu
Deus nos manda luz / como dádivas do céu
Os pretos velhos, caboclos do mar / vêm de Aruanda, ê!
Traz oferendas / para a deusa do mar

Terra cheia de magia / Bahia, oh! Bahia!


Iemanjá, solta meu erê, Iemanjá / Iemanjá, meu erê sombá
O vento que balanças as palmas / é o mesmo que faz o trovão
Espalha a chuva e traz o sereno / acalma a brisa e faz a canção
Vento que faz tempestade / traz calmaria pro meu coração

Vento que arrasta a poeira / que faz o redemoinho
Vento que atiça a fogueira / vento que varre o caminho
Foi o vento forte / que me trouxe um grande amor
Surgiu entre as ondas do mar / o encanto das águas foi quem me mandou


Compadre, como vai você? / Como vão as coisas / e o seu bem-querer?
Eu sei, meu compadre, a vida / eu sei, eu bem presenciava
Sabe, compadre, eu pensava / pela grandeza do amor
Que vocês viveriam uma vida de afinidade

Saiba, compadre, é que a felicidade / não é permanente
E é por isso que eu / procuro viver os momentos presentes
Meu compadre / tristeza é irmã gêmea da alegria
A distância é maior / quando existe saudade

Repare a maré / tem horas de enchentes, tem horas vazantes
Assim como a lua vem quarto crescente / vem nova, vem cheia, vem quarto minguante
Como você vê / tudo, enfim, se transforma
E o amor não é uma exceção
Procure ser forte e ter esperança / que aparecerá uma nova ilusão


Nasci pra lutar / pra sofrer de amor, pra amar
Nasci / pra esperar a peleja do bem

Sim, vim lutar, pelejar / vim sofrer
E vencer / conhecer o amor
Vim amar / pra viver

Cresci e lutei e sofri por amor / eu amei
Cresci / hoje estou na peleja do bem

Sim / eu lutei, pelejei e sofri
E venci / conheci o amor
Eu amei / eu vivi


Rio, suas águas deságuam em meu mar / acalmando suas ondas de amarguras
Rio que me banha / de ilusões e de aventuras
Rio, mês primeiro / correntezas de águas puras

Rio, que atravessa a minha vida / me enchendo de razões para cantar
Rio, as suas águas incontidas / levaram minhas águas de chorar

Rio, em suas margens me descanso / sobre seu leito, eu adormeço
Em seu espelho / vivo a me mirar
Rio, quando lhe bebo, me embriago / quando lhe vejo, me entrego
Por suas águas / sou levado, meu Rio

Rio de janeiro, que a minha sede matou / e levou as minhas mágoas
Rio, sua beleza me encantou / meu Rio


A Bahia vai bem / como vai meu bem-querer?
A Bahia vai bem / obrigado a você

O estado que mais se agiganta / paisagem mais linda do nosso País
Trabalhando com amor e cantando / o povo baiano é um povo feliz

© Copyright 2024 Ederaldo Gentil. by Prontosite